Entrevista

“Tenho orgulho desta jornada: saí do menor Estado brasileiro para a segunda maior economia do planeta”, diz a sergipana Daniela Sena

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Em 2010,  a sergipana Daniela Sena, 31, decidiu participar de um intercâmbio e voou para a  China a fim de  aprender mandarim, onde ficaria por um ano.  Mas ela percebeu que ainda não havia dominado os hieróglifos e resolveu ficar mais tempo. E lá se vão 11 anos residindo do outro lado do mundo, em Hangzhou, maior polo de e-commerce do planeta, e hoje ela é referência para outras mulheres, tanto na China como no Brasil, pois é a CEO da Continental Corporation, empresa focada em importação e exportação e que auxilia empresas estrangeiras – inclusive sergipanas – a fazerem negócios com a China, além de prestar-lhes consultoria.

“Tenho muito orgulho desta jornada: eu saí da Barra dos Coqueiros, em Sergipe, menor Estado brasileiro, para a segunda maior economia do planeta. É algo que me orgulho muito e espero influenciar outros jovens a conquistar os seus sonhos e a explorar essa jornada cheia de possibilidades”, diz Daniela, cujo nome na China é Dai Ni.

Clube empresarial feminino global – Sheup – fundado por Daniela

Daniela tem influenciado as mulheres asiáticas. Ela lembra que quando começou a trabalhar, as suas colegas de universidade a procuraram para saber como empreender.  Em 2018, criou um clube empresarial feminino global – Sheup – para compartilhar sua experiência empreendedora, que hoje tem mais de 6 mil membros em mais de 70 países ao redor do mundo.  Os sergipanos, conta Daniela, também veem nela uma inspiração e a seguem no Instagram (@daniinchina).

Além da Continental Corporation, Daniela Sena fundou  a Dici, sua própria marca de maquiagem.  “A Dici combina meu nome Dani e o da minha sócia Ceci”, explicou, referindo-se a Cecília Jiang.

Os negócios estavam indo bem até a pandemia da Covid-19 abalar o mundo. Quando a doença estourou em Wuhan,  Daniela Sena ficou sem saber o que fazer: se vinha para o Brasil ou se continuava na China. Preferiu ficar por lá e hoje elogia as medidas sanitárias tomadas pelas autoridades chinesas. “Aqui é zero ou 80. O governo tomou medidas bruscas e todos seguiram as orientações”, lembrou Daniela, ao acrescentar que ainda há casos da Covid-19 e algumas cidades estão em lockdown.

A CEO da Continental Co. é destaque no jornal em  Hangzhou

Além de mudar radicalmente a vida, restringindo o ir e vir, por exemplo, a Continental teve que se reestruturar para seguir no mercado internacional. O foco hoje é “crescer e ser uma referência global”.

Mesmo a milhares de quilômetros de distância do Brasil, Daniela continua mantendo laços com Sergipe. Tanto que esta semana, a sua empresa renovou  contrato com o sistema Fecomércio, visando qualificar empresários locais a transacionar com o mercado chinês. “Hoje Sergipe está muito mais maduro, as empresas sergipanas estão muito mais abertas”, avalia a CEO da Continental Co., que tem bastante experiência em comércio exterior. Desde 2016 quando foi à sede da Fecomércio em Aracaju e mostrou as possibilidades de negócios entre China e Sergipe para empresários sergipanos, muita coisa mudou e para melhor, na concepção de Daniela.

Conheça um pouco da vida profissional de Daniela Sena, mestra em Gestão de Negócios Internacionais pela Dianzi University, e que foi nomeada, em 2019, como uma das  mulheres mais influentes de Hangzhou pelo site Expat Focus.

Sem dúvida, uma leitura enriquecedora.

Reunião online entre Daniela e dirigentes da Fecomércio

SÓ SERGIPE – A sua empresa, a Continental Corporation, renovou um contrato com o sistema Fecomércio recentemente. Há quanto tempo já existe essa parceria com a instituição sergipana?

DANIELA SENA – Nós assinamos o primeiro contrato no início de 2020, um pouco antes da pandemia, e tínhamos bastantes planos para essa questão da internacionalização do Estado de Sergipe,  iríamos auxiliar as empresas locais a importar direto da China e a se habilitarem a exportar os produtos do nosso Estado para o mercado internacional. Só que com a chegada da pandemia, esse projeto atrasou bastante e ficou em stand by. Estávamos com o plano de trazer uma delegação de Sergipe para a Feira de Cantão, em Guangzhou, aqui na China, e daí, infelizmente, nada disso pôde ser concretizado. No ano de 2021, a nossa empresa passou por uma renovação em relação aos serviços. Antigamente estávamos focados no comércio exterior, apenas para importação e exportação, e desde o final de 2020 começamos a prestar consultoria para treinamento em tecnologia e inovação, exchange de startup, como conseguir captação de recursos chineses para empresa brasileira, fazer reuniões e webinários, mostrando o que vem acontecendo no mercado internacional, quais são os modelos de negócios chineses que podem ser aplicados no mercado brasileiro. E toda essa mudança que houve no mercado chinês e no impacto que isso teve, principalmente, no e-commerce, serviu como lição para o mercado brasileiro. Nós vimos que existiam várias oportunidades de estarmos aplicando esses modelos de negócios chineses criando soluções mais tropicalizadas para o mercado brasileiro. A Fecomércio entrou em contato novamente para renovarmos esse contrato. A nossa empresa deixou de ser a Continental Comex e passou a ser a Continental Corporation, que abrange muito mais serviços, além da importação e exportação.

SÓ SERGIPE – Em fevereiro de 2016 a senhora esteve aqui em Aracaju e numa reunião com a Fecomércio, auxiliava brasileiros que quisessem negociar com a China. O que mudou de 2016 para cá?

DANIELA SENA – Em 2016, eu lembro que organizamos I Encontro de Internacionalização Exterior do Estado de Sergipe (EICOMEX-SE) que foi o primeiro encontro de internacionalização do Estado. Vejo que há uma grande diferença, não só entre as relações entre China e Brasil, mas entre Sergipe e a China. Hoje Sergipe está muito mais maduro, as empresas sergipanas estão mais abertas, entendem um pouco mais do mercado internacional, das oportunidades que existem fora do país, tanto na parte de compra, na competitividade do produto, como também na questão do aprendizado que podemos ter. A China mudou rapidamente, se desenvolveu vertiginosamente nos últimos 20 anos e a economia brasileira tem muito o que aprender, não só na parte de fabricantes, pois a China era considerada a ‘fábrica do mundo’. Além disso, vemos a China como uma referência em tendência e inovação.  A grande diferença que eu diria entre 2016 e agora, com essa renovação do contrato com a Fecomércio, seria a maturidade do nosso Estado com relação ao mercado exterior. As empresas estão muito mais seguras, preparadas, com menos receio de fazer negócios com os chineses. E a chegada do porto de Sergipe na Barra dos Coqueiros foi muito importante.

SÓ SERGIPE – A chegada do porto é um divisor de águas?

DANIELA SENA – Com a chegada do porto, acredito que essa troca comercial entre Brasil, Nordeste, será a porta de entrada para oportunidades internacionais, não só entre Sergipe e China, mas Sergipe e outros países, Nordeste e outros países. Vejo que o mercado está muito mais maduro e as empresas mais bem preparadas.

SÓ SERGIPE – Hoje a Tok Cosméticos é uma empresa sergipana que exporta para a China. Existem outras?

DANIELA SENA – Além do pessoal da Tok Cosméticos, existem os empresários da Imperial que vínhamos conversando também, assim como uma rede de supermercados. Temos exportações de sucos, importação de maquinários, comercialização e produtos para supermercados. Fora essa parte comercial, estamos trabalhando com qualificação junto com o Sebrae, pois queremos preparar as empresas que queiram fazer negócios com a China, habilitando as entidades, informando quais as licenças necessárias. Atuamos junto com as Universidades Tiradentes e Federal de Sergipe, na parte de intercâmbio cultural e educacional. Existem muitas oportunidades na parte de idiomas e estamos vendo como levar estudantes chineses para o Brasil e trazer brasileiros para China.

SÓ SERGIPE – Além deste contato com Sergipe, a Continental Corporation opera em outros Estados brasileiros e outros países?

DANIELA SENA – Sim. Na verdade, o nosso projeto com Sergipe é bem iniciante.  Hoje, a nossa empresa atua nas regiões sul e sudeste do Brasil, mas também com seis países diferentes: Noruega, Austrália, Reino Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia e África do Sul.

Daniela coordena reunião na Continental Corporation com a sócia Cecilia Jiang

SÓ SERGIPE – Hoje, a senhora é a CEO da Continental Corporation. Mas o que a levou para a China?

DANIELA SENA – Agora em agosto completo 11 anos aqui na China. Vim em agosto de 2010 para aprender o mandarim, pois ganhei uma bolsa de estudos numa universidade chinesa e era para estudar durante um ano. Após esse primeiro ano, vi que meu chinês não estava bom o suficiente e eu tinha gostado muito da cultura, era a minha primeira viagem internacional. Para mim, tudo foi novo e eu estava animada com as coisas que estavam acontecendo aqui, então acabei ficando por mais um tempo. Na época, criei no Facebook uma loja para vender produtos que eu achava interessantes aqui no mercado chinês, mas com preço bem competitivo para o mercado brasileiro. Eu comecei a vender para pessoas em Sergipe e foi tanto sucesso, que pessoas de outros Estado me compravam esses produtos. Mas era um negócio bem pequeno e eu queria uma renda extra, pois ainda estava estudando. Daí, pequenas empresas no Brasil começaram a entrar em contato comigo para saber como é que eu poderia passar cotações desses produtos em maior quantidade. E eu não tinha nenhuma experiência em comércio exterior, mas fiquei muito animada. Comentei com minha amiga chinesa Cecilia Jiang, minha sócia. Começamos o trabalho juntas, somos grandes amigas.  Decidimos registrar a empresa em Hong Kong, primeiramente, pois eu tinha visto de estudante na China e aqui você não pode trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Em 2014 a empresa começou a crescer. Participamos de feira e conhecemos mais empresários brasileiros que estavam fazendo negócios com a China, e iniciamos essa  ponte. Desde 2014 a Continental vem crescendo, aumentando o escopo dos nossos serviços. Hoje há outros sócios, o Johan Van Dyk, na África do Sul;  Cecilia Jiang, aqui na China;  a Bárbara Cardoso que trabalha na parte de  expansão e desenvolvimento de negócios em Sergipe e todo o Nordeste; a Luanna Delgado, no Rio de Janeiro; Luke Stevenson, em Portugal; e a Tariro Manyumwa, do Zimbaube. Crescemos e começamos a atender o mercado internacional, criamos um time bastante qualificado e bem diverso para poder  atender a todos esses mercados que estamos trabalhando com excelência.

SÓ SERGIPE – A sua iniciativa inspirou outras mulheres na China?

Daniela ao lado de Jack Ma, CEO do grupo Alibaba

DANIELA SENA – Quando a empresa começou a crescer, a ter visibilidade aqui, pois eram poucas mulheres estrangeiras fazendo negócios naquela época, muitas meninas que estudavam comigo na universidade começaram a me perguntar  como iniciei os negócios, como trabalhar aqui, qual o processo para abrir uma empresa. Isso acabou crescendo, então fundei uma comunidade de mulheres empreendedoras que se chama  “She Up”  e temos mais de seis mil membros atualmente. Estamos no Brasil, China e Canadá. Fazemos parcerias com aquelas que querem gerar novos modelos de negócios  e tem sido um projeto muito legal que tem revolucionado aqui onde moro, Hangzhou, uma cidade de 10 milhões de habitantes,  na qual fui considerada uma das mulheres mais influentes.  Acabei conhecendo o Jack Ma, que é o CEO do grupo Alibaba, que tem as empresas AllExpress e Taobao. O grupo Alibaba é uma grande referência no Brasil e tive a oportunidade de conhecê-lo devido à essa minha presença no empreendedorismo feminino aqui na China.

SÓ SERGIPE – A senhora inspira, também, pessoas daqui de Sergipe?

DANIELA SENA – Nas redes sociais eu tenho um apoio muito grande, principalmente dos jovens empreendedores do nosso Estado. Alunos da escola que eu estudei me acompanham  no Instagram e  fico muito feliz ao influenciar outras pessoas. Eu saí de Sergipe para o mundo e mostrar para outras pessoas que tudo é possível, se você tem determinação, é muito bom. Se você trabalha duro para isso, tudo pode acontecer. Inclusive, essa foi uma das lições  que a  China me ensinou. Quando fui para a China, apenas para aprender a língua, nunca imaginei que seria influência para as pessoas. Sempre fui muito tímida e vindo para cá isso mudou bastante. Mudei a forma como me comunico com as pessoas e depois vejo as coisas que conquistei por mim mesma. Eu era uma estudante, e na China me transformei em empreendedora, me tornei uma pessoa melhor, mais qualificada. Tenho muito orgulho dessa jornada, saindo da Barra dos Coqueiros, do menor Estado brasileiro, para a segunda maior economia do planeta. É algo que me orgulho muito e espero influenciar outros jovens a conquistar os seus sonhos, explorar essa jornada cheia de possibilidades.

Marca de cosméticos da Daniela e Cecilia

SÓ SEGIPE – E a sua empresa, Dici Cosméticos como está?

DANIELA SENA – A Dici Cosméticos foi um projeto que nós fizemos especialmente para o mercado chinês. Tentamos entender um pouco do consumidor, quais as plataformas de vendas e marketing digital para produtos estrangeiros. Registramos a Dici em Londres e trouxemos o registro da marca para cá para entender o processo, e daí  poder auxiliar as empresas estrangeiras  que queriam vender e fazer marketplace. Iniciamos a empresa como um piloto para entender o mercado e auxiliar as empresas estrangeiras. Hoje ela  é focada no mercado chinês e em vendas online. Não temos lojas físicas.

SÓ SERGIPE – Além do mandariam, quais os outros idiomas que a senhora fala fluentemente? 

DANIELA SENA – Além de minha língua-mãe, o português, falo o mandariam, inglês e um pouco de espanhol.

SÓ SERGIPE – E como foi o choque cultural, a adaptação na China?

DANIELA SENA – Como eu disse foi minha primeira viagem internacional, e meus amigos comentam que hoje sou mais chinesa que brasileira. Eu perdi nove quilos nos meus primeiros meses morando aqui, porque eu não conseguia me comunicar no mandarim e  não existia smartphone que hoje facilita na tradução. A questão da língua foi a maior barreira. Mas, a partir do momento que eu passei a me comunicar, conhecer as pessoas, entender um pouco mais da cultura, virei uma entusiasta e gosto muito. Sou fascinada pela China, pela maneira como eles cuidam dos outros, como o país se desenvolveu rapidamente. Sou muito encantada com tudo o que aconteceu aqui. No começo, realmente, a língua é a maior barreira, há os costumes e tudo, mas foi fácil se adaptar. Estar longe da família nas datas comemorativas, por exemplo, foi difícil. Eles não são cristãos, não comemoram o Natal. Meu primeiro Natal longe da família foi bem difícil, e eu ainda estava tendo aula. Aqui eles comemoram o Ano Novo Chinês, bem parecido com o que seria essa celebração natalina com a família reunida. Adaptar-se a isso foi um ajuste um tanto grande, mas nada comparado com a língua, a maior barreira.

Daniela Sena, na cidade de Hangzhou

SÓ SERGIPE – Como foi atravessar esse período de pandemia na China, que começou na cidade de Wuhan?

DANIELA SENA – Estar aqui na China durante a pandemia foi algo inesquecível. Parecia uma coisa de filme mesmo. No início todos ficaram em pânico, sem entender quanto tempo ficaríamos em quarentena. Aqui na minha cidade Hangzhou estamos a 700 quilômetros de Wuhan, e bem próximos de Shangai, cidade com quase 25 milhões de habitantes, que foi bem afetada. Então, o nosso receio foi gigante. Não tenho como explicar essa mistura de sentimentos, eu não sabia se ia ficar aqui ou ia para o Brasil. Eu acreditava que era coisa de somente uma semana, mas o vírus só se espalhava em volta do mundo. Foi um momento de muita confusão emocional. Saber que sua família estava do outro lado do mundo, e eu sem saber o que fazer. Foi um começo bem difícil, porque eu estava sem perspectiva nenhuma de quando isso ia terminar, se ia ter vacinas. Era tudo muito incerto. Mas a China fez um controle incrível. Ficamos bastante tempo sem sair de casa, apenas uma pessoa da família saía uma vez por semana para ir ao supermercado. Até agora estamos obrigados a usar máscara em lugares públicos e no transporte. Algumas cidades voltaram ao lockdown, estamos com 300 casos novos aqui na China e com uma variante diferente. O governo toma medidas rápidas e bruscas. Aqui é o zero ou 80. Foi tudo difícil, mas foi a melhor decisão a ser tomada. As decisões eram rápidas e as pessoas atendiam ao que era pedido, como não sair de casa e não aglomerar. Todas as restrições foram respeitas pela população e isso fez com que voltássemos ao normal. Grande parte da população está vacinada. Os estrangeiros também foram logo vacinados. Tivemos facilidade de conseguir a vacina. Foi um momento de muita incerteza.

SÓ SERGIPE – E como ficaram os negócios nesse período?

DANIELA SENA –  Os nossos negócios precisaram ser adaptados, pois afetaram os custos, tudo aumentou. E impactou bastante os negócios, tivemos que remodelar o que estávamos fazendo. Iniciamos  com importação e exportação, e hoje atuamos na consultoria.

SÓ SERGIPE – Quais são as perspectivas de futuro para a Continental Corporation?

DANIELA SENA – Crescer globalmente, criar novas relações com outros países, mas focando no Brasil, onde já atuamos em alguns Estados. E tornar a empresa uma referência no mercado internacional, quando se fala em negócios entre a China e o mundo. Também promover a cultura e o comércio brasileiro aqui, através do Centro Brasileiro que estamos criando, juntamente com empresas brasileiras e o consulado brasileiro aqui da China, que tem nos dados apoios. É um projeto que está andando e nossa ideia é criar um Centro Brasileiro para representar empresas que querem fazer intercâmbio comercial, tecnológico e cultural com a China. Nosso foco é crescer e ser referência global.

 

 

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Antônio Carlos Garcia

CEO do Só Sergipe

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