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Tio Patinhas, os Metralhas e as eleições municipais

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Prof. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

Por anos, meu saudoso pai, José Almeida Monteiro (1928-1982), manteve uma mercearia e um bar entre as ruas Senhor do Bomfim e Mizael Vieira, em Lagarto-SE, número 188. Denominado de Bar e Mercearia São José ou Bar de Zé Monteiro, o lugar era frequentado por várias pessoas, de condições sociais diferentes e até mesmo de partidos e grupos políticos antagônicos. Ele era vascaíno e também pertencia a um agrupamento conhecido, a partir dos anos 70, por Saramandaia, tendo à frente o comerciante e agricultor Artur de Oliveira Reis, o Artur do Gavião. Meu pai, chegou a ser líder de oposição contra o grupo Bole-Bole (1977-1982), liderado por Rosendo Ribeiro Filho, o Ribeirinho, e compadre do prefeito da cidade (bolibolista), José Vieira Filho. Nem por isso ele deixava de ser cortês com todos os seus clientes, e mantinha a neutralidade em seu comércio, não misturando uma coisa com a outra.

Trata de um exemplo em que negócios/comércio não devem se misturar com a política partidária. Pois, entendo, que a marca de uma empresa deva ser preservada. Além disso, o apoio de um segmento econômico a um determinado grupo pode denotar troca de favores ou acordos que possam vir a ferir o interesse público. Afora o fato de pôr mais lenha no incêndio das divisões entre famílias e outros setores da sociedade. Meu pai, fora de seu estabelecimento de trabalho, era o político e vereador Zé Monteiro. Atrás do balcão de seu bar, era o comerciante, alguém que precisava ter credibilidade, simpatia e passar segurança aos seus clientes.

Vimos este filme acontecer nas últimas eleições para presidente da República. Quem foi nessa barca furada, colhe prejuízos até hoje. Mas, não bastasse isso, segmentos da vida econômica repetem a dose inconsequentemente, agora, ao nível das eleições municipais em todo o país, robustecendo o número de denúncias de caso de assédio moral no trabalho, terminantemente condenado, seja ao nível da ética e da moral, seja ao nível jurídico, conforme a Lei 14.457/2022, que estabelece que:  “as empresas devem criar um ambiente de trabalho seguro e saudável”; “as empresas devem implementar processos para receber, apurar e acompanhar denúncias de assédio”; e “a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) deve atuar na prevenção do assédio”.

E o que tudo isso tem a ver com o tema deste artigo?

Irmãos Metralha
Imagem: Pinterest

Quanto ao Tio Patinhas e os Metralhas, uma pausa para a nossa reflexão para mergulharmos no âmago das metáforas das quais faço uso. Ambos os personagens aparecem nas histórias em quadrinhos do Walt Disney (1901-1966) a partir de 1947. Tio Patinhas, criado pelo cartunista Carl Barks (1901-200), é inspirado na obra de Charles Dickens (1812-1870), notadamente no avarento Ebenezer Scrooge, protagonista do livro “Conto de Natal (1843). Riquíssimo, com direito à piscina de moedas em sua mansão, Patinhas, embora simpático para o público infantil (é o meu favorito até hoje, seguido de seu sobrinho, Pato Donald), na verdade, representa o que todo rico avarento é e quer: ter mais e mais e mais.

Não vejo nenhum problema que haja uma relação do público com o privado, dentro da lei, claro. Mas, é inconveniente a submissão do primeiro para como o segundo, ou mesmo, a subserviência. A meu ver, não deve o privado querer ditar as normas do processo democrático, sobretudo quando apenas um grupo econômico se beneficia, com a capa ou fantasia de geração de emprego e renda. E nesse sentido, têm sido o mote da maioria dos escândalos no campo da política no Brasil nas últimas décadas.

Há, nesse sentido, inúmeros Tios Patinhas espalhados pelo país, à custa do seu poder econômico não somente tomar partido de A ou B, mas, de forma aberta, clara, irresponsável e arrogante, assentado sobre seus milhões, a querer conduzir a vontade soberana do povo. Devo salientar, que nas mesmas eleições presidenciais de que falei anteriormente, essa fórmula se configurou como fracassada.

O fato é que, a lógica de alguns setores empresariais de hoje em dia é ainda a de fomentar mais lucros a todo e quaisquer custos, não importam as consequências, afinal, “os fins justificam os meios (Nicolau Maquiavel, 1469-1527)”. Trata-se de uma lógica que divide e descarta, não somente o passado histórico, mas também a natureza, o meio ambiente, com vista a obter um lucro imediatista, sem compromisso com o legado das pessoas e das sociedades e, sobretudo, com o futuro.

Quanto aos Metralhas, não me refiro, necessariamente aos irmãos (quadrilha de ladrões) que vivem em busca de meios para roubar a fortuna de Tio Patinhas. Mas, a todos os que a este jogo se submetem para “assaltarem” os cofres públicos brasileiros, tentando comprar consciências, destruir reputações, subverter a ordem e a tranquilidade das pessoas, particularmente as mais simples e assalariadas, desconfigurar a democracia e a liberdade e os destinos dos municípios brasileiros, como se estes estivessem apenas à mercê das esmolas do capital financeiro, comercial e industrial, necessários, é bem verdade, mas não o fim último da boa municipalidade.

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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