Outras palavras

Trio Elétrico 75 anos e axé Music 40, na Bahia do Senhor do Bomfim, de Todos os Santos e Nossa

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

Para além de tudo que já se disse e se diz sobre o Estado da Bahia, penso que seja justo e oportuno acrescentar que é o lugar do Brasil onde a celebração da memória segue sendo um dos mais significativos, seja no sentido de reforçar a ideia de pertença, seja na perspectiva de reforçar uma identidade alegre, festiva e fervorosa, somando-se a isso não somente o valor das tradições, mas também da inventividade.

Começar o ano na Bahia é sempre uma oportunidade para renovar as energias. É um convite que traduz a máxima do “bora viver!”. Pois os problemas sempre hão de existir e enquanto nós ainda existirmos, com ou sem eles, há que se celebrar o dom da vida como dádiva divina: louvando, mas também, festejando e cultuando o passado para dar sentido ao presente e projetar o futuro, estejamos nós, ainda, por aqui ou não. Pois, legado é vida.

Em especial dedicado aos 40 anos do Axé Music, no último programa “Altas Horas” de 2024 (28 de dezembro, Rede Globo), apresentado por Serginho Groisman, uma cena chamou a minha atenção. Após abrir o evento, com a canção “O canto da Cidade” (1992), com a participação da Orquestra Sinfônica de Heliópolis (a primeira do mundo formada em uma favela), a cantora Daniela Mercury ao ser perguntada sobre a origem do gênero musical homenageado, disse humildemente ao apresentador que a palavra deveria estar, por primazia, com Armandinho Macêdo.

40 anos do Axé Music, Foto: Reprodução do Instagram @Armandinhomacedo

Armando contou como surgiu o trio elétrico em 1950, com os amigos Dodô e Osmar (seu pai) e como essa ideia atravessou as décadas seguintes até chegar ao ano de 1984, quando uma nova geração de músicos baianos, capitaneados por Daniela e Luiz Caldas, apresentaram ao Brasil e ao mundo o Axé Music, gênero que não só incluía e ressignificava o trio, como também mercantilizava e midiatizava a festa momesca com os blocos, a atenção das TVs, em nível nacional, com letras que exaltavam a influência africana na formação da Bahia, mas também que dimensionavam a compreensão de “música prá pular brasileira”.

Para o estudioso e historiador Armando Alexandre Castro (2010):

A correlação de forças midiáticas e musicais, à época, procurou, sem sucesso, ofuscar que na nomenclatura Axé music, para além dos preconceitos e estereótipos, continha a possibilidade de fusão, do encontro entre estéticas e instrumentos musicais distintos: Axé, representando o afro, o tribal, o negro, o candomblé; Music contemplava o pop, o world music, neste caso, estilizado pelo encontro de guitarra e timbau, além da mediação pela voz em refrões fáceis e repetitivos.

Vale dizer que, nesse ínterim, os outros três irmãos de Armando (Betinho, Aroldo e André) e também ele, desde 1974, vinham e vêm mantendo a herança de Dodô e Osmar, com o “Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar”, cujo lançamento do primeiro LP faz 50 anos em 2025: “Jubileu de Prata”. Aliás, dia 12, eles, “Os irmãos Macêdo”, estarão se apresentando na Concha Acústica do Teatro Castro Alves (Salvador-BA) com o espetáculo “Chame Gente – 75 anos de Trio, 40 anos de Axé”, com direção artística de Andrezão Simões e direção musical de Yacoce Simões. Um apronte para o Carnaval deste ano.

Mas, este texto não estaria completo sem um elemento que está no cerne da festa, ainda que se a perceba apenas do ponto de vista profano. Na musicalidade dos trios e também no repertório do Axé Music ela está presente. Desde os aspectos da cultura religiosa católica, seja com os elementos da cultura religiosa de matriz africana. Nesse sentido, a temática foi motivo de discussões e contendas entre alguns dos personagens do Axé Music recentemente; a exemplo da atitude de Cláudia Leite, quando da mudança da letra, composta pelos músicos Alan Moraes, Durval Luz, Ninho Balla e Luciano Pinto, por uma profissão de fé do campo evangélico.

Ao fim e ao cabo, de um ponto a outro da Bahia e, mais de perto, de sua capital, tudo converge para à pertença a uma baianidade nagô. Nesses primeiros de dias de janeiro, pude, especialmente e mais uma vez, vivenciar e presenciar isso, seja na , onde o turbante, a pipoca, o terço e a Missa conviviam com muita harmonia. Seja no Memorial Irmã Dulce, digo e destaco, de Santa Irmã Dulce dos Pobres, cujo maior legado foi o de fazer o bem, sem perguntar a quê credo pertencia, amando incondicionalmente aqueles cuja invisibilidade lhes feria tanto quanto a fome, a falta de moradia e o abandono, alheios à festa e à fé, para os quais nem isto lhes restava mais, quiçá brincar/pular o carnaval.

Salve a Bahia! Viva Dodô e Osmar! Axé para hoje e para todos os dias da vida, seja na música, na dança e também na fé e com ela.

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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