Outras palavras

Trioelétrica identidade Nagô

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

O cantor e percussionista baiano, Carlinhos Brown (62 anos), em entrevista para o jornal A Tarde do último dia 26 de fevereiro de 2025, disse que “a axé music é um movimento que bebeu de várias fontes. A guitarra tem um sotaque africano que não esconde que as manifestações e movimentos que vieram antes dele são sua inspiração. Bailes, afoxés, escolas de samba, blocos de índio e blocos afro, a axé music bebeu de tudo isso, de todos esses carnavais”.

No ano em que se celebra os 40 anos do Axé Music, a Bahia também faz memória dos 75 anos da invenção do trio elétrico, da dupla Dodô e Osmar, no ano de 1950. E, nesse sentido, vale destacar a importância da música trieletrizada nesse contexto de inspirações, misturas de ritmos e, sobretudo, de legado(s). Há mais de 50 anos, em plena atividade, a banda Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar, com Armandinho, Betinho, Aroldo e André (os Irmãos Macêdo), segue dando a tônica de um carnaval, cuja identidade, também, é multifacetada, com elementos diversos (passando pelo Frevo de Pernambuco, Merengue, pelo Rock in Roll, à herança cultural africana).

A velha fobica

Nessa toada de Brown, quando se analisa a discografia do Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar é possível aprofundar um pouco mais nessas questões que envolvem memória e identidade. Ou também, influências e resistências. Para tanto, valho-me, inicialmente, e até como fio condutor de minha dissertação sobre o assunto, de um trecho da canção-tema do Carnaval da Bahia, de todos os tempos, “Baianidade Nagô” (Evandro Rodrigues, 1991), que preconiza:

“Eu vou
Atrás do trio elétrico, vou
Dançar ao negro toque do agogô
Curtindo minha baianidade nagô”

Desde a fundação do grupo Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar, em 1974, a toada das canções (instrumentais) teve como mote e maestra a guitarra baiana (originalmente, 1942, pau elétrico). Mesmo com a inserção da voz de Moraes Moreira, nas faixas “Jubileu de Prata” e “Vou tirar de letra”, do primeiro LP “Jubileu de Prata” (1975), seguiu-se a tônica herdada/influenciada pelo Chorinho e pelo grupo Vassorinhas, de Recife.

A partir do quinto LP da banda, “Viva Dodô e Osmar” (1979), o grupo dá seus primeiros sinais de exaltação à cultura africana, particularmente, na canção “Beleza Pura”, de autoria de Caetano Veloso. Vale destacar que àquela altura do final da década de 70, alguns movimentos se estabeleciam no sentido de uma afirmação de uma identidade negra, a exemplo da criação do bloco afrobrasileiro, Ilê Aiyê (1974), e a crescente valorização da beleza negra feminina, afora o Olodum, em 1979.

Para Andersen Kubnhavn Figueirêdo:

“(…) o “pano de fundo” do surgimento dos blocos afro teve como base uma reação de exclusão e marginalização de diversos elementos negros em bloco carnavalescos de animação, que eram compostos e dirigidos pela classe média branca da cidade de Salvador (BA)”. (2018, p. 256).

No emblemático e histórico LP “Vassourinha elétrica” (1980), destaque para a canção “Frevoxé”, de autoria de Aroldo/Betinho/Walter Queiroz, e interpretação de André Macêdo, novo vocalista do grupo com a saída de Moraes Moreira para investir em carreira solo. O título da música é mais do que um trocadilho “fevro/axé”, também é um gesto da banda à influência da cultura afro no Carnaval baiano. Vejamos essa passagem que diz:

“Frevoxé!
É a Bahia namorando com guiné!”

Nos anos que se seguiram, os LPs do Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar incorporam novas canções com essa pegada trieletrizada associada ao batuque afrobrasileiro e a outros elementos para além das letras, mas também da inserção de novos instrumentos que dialogam com a guitarra baiana, como o agogô. No LP “Incendiou o Brasil” (1981), destaque para a faixa “Viva o Rei Nagô”, de autoria de Armandinho e Moraes Moreira. No LP “Folia Elétrica” (1982), a faixa “Alô, Filhos de Gandhi”, de André Macêdo e Armandinho. No LP “Chame Gente” (1986), a canção “No abraço, um axé”, de Carlos Moura.

No LP “Aí, eu liguei o rádio” (1987), destaque para a passagem da faixa “Além-mar”, de autoria de Armandinho, Fred Góes e Béu Machado, que diz: “Negra lusitana, cor mulata / A magia vem de lá, lá da África / E é quando o corpo dana a balançar / E na cabeça dá o que pensar”. Ainda nesse LP, a canção de Militão, “Depois que o Ilê passar”, uma referência e homenagem da banda ao bloco Ilê Aiyê. E, também, a canção “Tem dendê”, de Armandinho e Morais Moreira.

A canção “É Carnaval o ano inteiro”, de Armandinho e Beto Marques (LP Trio Espacial, 1988), é emblemática nisso que chamo, no presente texto, de trioelétrica identidade nagô. Todos os versos vão nesse sentido, notadamente, quando diz: “A voz do povo é que balança com alegria / O carnaval do ano inteiro / Já tem o som da Jamaica / E o oxalá no coração do Brasil”. Aqui em particular, para além da influência afro, também a caribenha, com o reggae de Bob Marley. Ainda neste LP, destaque para as canções “Deus do fogo e da justiça”, de Carlinhos Brown, e “Baticum do Olodum”, de Moraes Moreira e Béu Machado.

A partir daquela segunda metade da década de 80, o Axé Music passava a tomar conta da cena musical baiana, inclusive no Carnaval, com Luiz Caldas, Daniela Mercury, entre outros, agregando elementos novos e musicalidade diferenciada. Na discografia do Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar, embora haja a presença de compositores do Axé Music nas letras dos anos 80 e 90, não é possível identificar algo do gênero. Em contrapartida, os principais nomes do Axé Music vão fazer memória e homenagens não somente à Dodô e Osmar, mas também aos Irmãos Macêdo, aqui, em especial, Daniela Mercury, em “Trio Metal” (1998), de sua autoria, em parceria com Alfredo Moura, Renan Ribeiro e Marcelo Porciúncula.

Veja:

“Quero ver, quero ver, quero ver 

Quero ter, quero ter, quero ter, ô 

O som do trio elétrico de Osmar e de Dodô

Quero ver, quero ver, quero ver 

Quero ter, quero ter, quero ter, ô 

O som da guitarra elétrica de Armandinho”.

É claro que a banda inclui até hoje, em seu repertório carnavalesco, as canções do Axé Music. Por exemplo, no meu primeiro Carnaval de Salvador, em 2017, em cima do Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar, ao lado de minha esposa, a professora Patrícia Monteiro, descendo com o caminhão da alegria a Avenida Sete, em direção à Praça Castro Alves, André Macêdo agitou o público, ao embalo de uma chuva fina, com a canção “Baianidade Nagô”.

Fechando esta análise da presença/influência da cultura afro-brasileira no Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar, refiro-me agora aos LPs/CDs dos anos 90: “Estado de Graça” (1991) e “Filhos da Alegria” (1996), destacando as canções “Vem de Obatalá” (Armandinho e Fred Góes) e “Mistura Baiana” (Saul Barbosa e Jaime Sodré). Esta última, outro exemplar da mistura de ritmos, culturas e sons de que Brown fala no início deste texto.

Veja:

“Vem tocar com o Trio de Dodô e Osmar

Misturar por misturar

Somar na melodia

Vem sorrir, sonho com uma banda assim

Os sons dos atabaques enfim

Guitarras e bandolins”

 

____________________

Fontes e referências:

Acervo da Terra do Som. Escritório e estúdio da banda Trio Elétrico, Armandinho, Dodô e Osmar.

Discografia da banda Trio Elétrico, Armandinho, Dodô e Osmar.

Figueirêdo, Andersen Kubnhavn. Ativismo negro em Salvador na década de 1970: imbricações entre política e cultura. In: Revista Historiar | Vol. 10 | Nº. 18 | Jan./Jun. de 2018

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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