Por Luciano Correia (*)
O revolucionário Leon Trotsky, um dos pseudônimos de Liev Davidovich Bronstein, teve uma vida que lembra os melhores filmes de ação. Nascido numa família de classe média da atual Ucrânia em 1879, sai de casa antes dos 18 anos para se dedicar à luta política, travada no campo intelectual, como jornalista e escritor, e na ação prática. Perseguido, vai preso, exilado e foge da Sibéria numa improvável jornada tão precária quanto arriscada, até se reerguer para a luta política nos países onde consegue visto, França, Inglaterra e Estados Unidos. Vitoriosa a luta, é, ao lado de Lênin, um dos comandantes da grande revolução russa de 1917, até hoje um dos mais importantes movimentos de transformação da ordem política vigente num país continental e que durou até a Perestroika de Mikhail Gorbachev, em 1991.
No poder, esquiva-se de ocupar cargos, mas nunca do comando, que ele exerce na função de Comissário do Povo para assuntos militares, de onde cria e organiza o poderoso Exército Vermelho soviético. De temperamento explosivo, irredutível nas suas posições, não tarda bater de frente com outros camaradas revolucionários, sobretudo com o que vem a ser seu implacável adversário, inimigo e, por fim, responsável por sua morte décadas depois: Josef Stalin, secretário-geral do PC. Sua derrocada, de grande líder da revolução a expurgado do regime, se concretiza sobretudo após a morte do comandante maior, Lênin, que tinha nele a preferência para sucedê-lo. A partir daí enfrenta todos os tipos de dificuldades, sabotagem e perseguição, criando condições para cair em desgraça e ser submetido ao escárnio público. Bem verdade que ele também deu sua contribuição à própria ruína, seja em minimizar crises, desprezar aliados e subestimar adversários.
Inicia então, já fora da URSS, um calvário de fugas que começa por uma ilha pertencente a Turquia, depois Noruega e, finalmente, o México. Temido pela direita nos países onde passava, era igualmente combatido pelos partidos de esquerda, na época, todos eles, de inspiração soviética. Portanto, é de se imaginar que ninguém queria conversa com um sujeito com essas posições para não se indispor com o secretário-geral do PC soviético. Enquanto Stalin implanta um dos maiores regimes de terror da história, com a morte de milhões de pessoas (estima-se em 20 milhões as suas vítimas), o líder bolchevique empreende uma batalha política através do jornalismo e da militância entre seguidores por todo o mundo.
A história heroica e trágica desse ícone da esquerda no mundial é contada no livro Trotsky – Uma Biografia, do inglês Robert Service, professor de história da Rússia da Universidade de Oxford, um calhamaço de quase 800 páginas que, ao fazer um recorrido sobre a vida do revolucionário, percorre paralelamente a própria história da revolução que mudou o mundo. Mergulhar em tanta história e nas querelas e disputas que precederam a derrubada do regime dos czares na Rússia e, depois, no turbulento desenrolar de uma das mais importantes transformações da história, significa ter que esmiuçar as ações de cada ator participante do processo. Para isso o autor precisou de tantas páginas e de 52 capítulos. A leitura às vezes cansa, com tantos detalhes, vai e vens de posições, nomes, datas, lugares etc. Principalmente se o leitor for pouco familiarizado com o assunto ou não tenha muito interesse em História. Mas vale a pena, sobretudo se ele desejar compreender mais o trepidante século XX e o cenário que preparou o disléxico século atual.
Logo depois das primeiras 100 páginas, tem-se a impressão de que o biografado é um ser todo feito de egoísmo, focado sempre e tão somente na militância política. Casa muito cedo com Alexandra, companheira de luta política, tem duas filhas e logo as abandonam na Sibéria, cumprindo um exílio interno motivado pela sua militância revolucionária. Ao fugir, durante o périplo por vários países, se envolve com uma russa de nome Natalia numa dessas paragens e se casa novamente em Paris. Esta será sua mulher até o fim da vida, com a qual tem mais dois filhos, ambos homens.
Desde cedo, alcança notoriedade pelo trabalho intelectual, escrevendo em jornais, publicando panfletos, ensaios e teses políticas. Tem uma boa formação cultural, exercendo a função de crítico de áreas como literatura e teatro, dono de um estilo único, de texto contundente e literário. Ao longo da vida, fundou ou participou da fundação de diversos periódicos, entre eles o Pravda, em português “A Isca”, o grande veículo impresso da extinta União Soviética. O excessivo gosto pela atividade intelectual tomava parte do tempo útil, ainda mais porque exercido por um caprichoso perfeccionista. De vida simples e espartana no plano doméstico, na vida pública cultivava uma imagem milimetricamente construída, projetada para exibir a figura do guerreiro, incansável e, sobretudo, incorruptível. Por tudo isso, por abandonar a mediocridade do cotidiano da política na manutenção dos espaços e por descuidar da capacidade dos seus inimigos, perdeu a cabeça. Perder mesmo não, mas foi com um golpe de picareta desferida em seu crânio que morreu na cidade do México em 1940, aos 60 anos, por um espião comunista contratado por Stalin para caçá-lo onde estivesse. Um livro fundamental para entender a história e conhecer de perto um homem de natureza essencialmente humana, em suas virtudes e defeitos.