Há pouco mais de dois meses a Universidade Federal de Sergipe vem sendo administrada pela reitora pro tempore, professora Liliádia Barreto. Ela foi designada para assumir a reitoria da UFS, após uma eleição tumultuada e conduzida sem qualquer respeito à lisura exigida em um devido processo eleitoral.
Em razão disso, essa eleição está sendo objeto de vários questionamentos na esfera judicial e administrativa há algum tempo. Mas acreditamos que está mais próxima uma definição sobre o caso.
Esperamos que, após um exame cuidadoso dos fatos e das diversas provas presentes nesses procedimentos, seja constatada a forma abusiva e sem respaldo legal com que o ex-reitor da UFS realizou a eleição da lista tríplice e, assim, seja finalmente autorizada a deflagração de uma nova eleição.
Enquanto esses procedimentos seguem seu curso, alguns personagens difundem um conjunto de inverdades ou meias-verdades sobre o caso. Exemplo disso foi um artigo assinado por um dos assessores do ex-reitor da UFS. Há alguns dias, seu texto circulou em blogs e portais de notícias e foi amplamente replicado nas redes sociais.
Ali, era anunciado que a Advocacia Geral da União informou ao MEC que a eleição na UFS foi legal e que a lista tríplice formada havia sido considerada válida.
O que esse assessor não esclarece em seu artigo é que o documento mencionado é um parecer, e que a peça foi elaborada há cerca de dois meses por uma procuradora federal que integra os quadros da Advocacia Geral da União em Brasília.
Portanto, não se trata de uma decisão judicial e não vem a ser nem mesmo um parecer vinculativo, isto é, o entendimento ali expresso não tem caráter decisório. Os procuradores, também chamados de advogados públicos, podem estar atuando apenas na função consultiva, como foi o caso, ao examinar a legalidade dos atos da administração pública.
Assim, a procuradora federal se limitou a fazer um exame objetivo dos documentos relativos à eleição da UFS que se encontram no MEC e, isso é importante saber, a maioria desses documentos encaminhados foi produzido pela anterior gestão da universidade.
Reitere-se, portanto, que se trata de um parecer opinativo de estrito caráter técnico, elaborado por advogada pública no exercício de função consultiva na área jurídica.
O que fica evidente é que a procuradora apenas atestou que, com base nessa documentação enviada pelo então reitor da universidade, não foram constatadas irregularidades no processo eleitoral da UFS. Essa procuradora ressalva, entretanto, que há procedimentos administrativos e judiciais tramitando que apuram supostas ilegalidades nessa eleição.
Outro aspecto a ser notado é a estratégia do autor do artigo de não informar a data de publicação desse parecer, 16 de dezembro de 2020. Isso induz o leitor a acreditar que seria uma “decisão” recente, como se fosse a última palavra sobre o caso.
Ora, o caso da eleição da UFS ainda segue em aberto, com os processos seguindo seu curso. Em um deles, o que está no MEC, apura-se até mesmo a veracidade do que os documentos enviados atestam. Um desses documentos e certamente o mais importante, a ata da eleição, não registra o que de fato ocorreu na sessão de votação.
Confrontando a ata enviada ao MEC com a gravação dessa mesma reunião – cujo vídeo está disponível no canal da UFS no Youtube – são constatadas gritantes discrepâncias. Por exemplo, enquanto a gravação mostra conselheiros votantes levantando várias questões de ordem, a ata as omite completamente; enquanto no vídeo o então reitor informa aos conselheiros que buscará a Polícia Federal para auditar o sistema de votação, a ata silencia novamente sobre essa fala do reitor.
Há, ainda, outras irregularidades. Na ata falta a assinatura de 1/3 dos conselheiros, a maioria deles se recusando a assinar uma ata que não fez o registro fiel do que se passou na reunião. Em outro documento enviado ao MEC, o Ofício n.196/2020, consta que a reunião foi aberta pelo reitor, “sendo justificada e aprovada sua realização de forma remota”. Ora, a gravação da reunião não registra tal fato.
Tendo em vista que a procuradora federal teve acesso apenas a esses documentos textuais, não surpreende que ela tenha considerado que a eleição da UFS transcorreu no marco da legalidade, afinal, os documentos públicos possuem presunção de veracidade.
Por outro lado, a procuradora federal chega a afirmar que, certamente em razão da necessidade de um exame cuidadoso das muitas evidências materiais sobre o que ocorreu nessa eleição da UFS e que destoa da versão oficial então documentada, não há um prazo especificamente determinado para que a nomeação do futuro reitor ou reitora da UFS ocorra.
Assim, muitas mentiras propagadas não fazem uma verdade, pois chega o momento em que a realidade se impõe apesar dos que tentam falseá-la. A verdade é que alguns comensais do banquete do poder desregrado que imperava na UFS estão inconformados. Muitos não aceitam o fato de que a sangria de recursos públicos, as elevadas gratificações recebidas e as benesses de desfrutar de frequentes rega-bofes em sítios, caros restaurantes e, com maior frequência, no próprio gabinete do reitor cessaram.
Os que se refestelavam nesses festivos banquetes e outras sinecuras do poder enquanto comandavam a UFS parecem estar acometidos da Síndrome de Húbris, um distúrbio que os levou a crer em algo como “minha UFS, minhas regras”. Mas, como lembra o professor e psicólogo Dacher Keltner, os poderosos subestimam a inteligência e coragem dos outros, supondo que as pessoas não veem seus abusos de poder e sua descompostura moral.
Que a experiência de um poder desmedido fique no passado da UFS, e que venham novos tempos em que prevaleça o verdadeiro sentido de instituição pública. Que novos ocupantes da Reitoria sejam ciosos de que estarão a realizar um elevado serviço público em uma instituição que é patrimônio do povo, e não seu palacete real.
(*) Professores da UFS e candidatos na Chapa RENASCEUFS
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