Por: Marcus Everson Santos
Há uma experiência de engenharia social sutilmente sendo empregada em nossas escolas e universidades. O objetivo principal dessa experiência é identificar ideias ou posições filosóficas que ponham em risco o pensamento hegemônico presente há décadas nessas instituições. Sobre quando e como esse processo hegemônico se instalou não será tema deste artigo, visto que, no lugar disso, trataremos apenas de seu método e dos resultados.
Para que o objetivo principal dessa experiência atinja seu ponto culminante, o mediador do experimento precisa obter sucesso já no primeiro passo, que consiste em atrair um determinado grupo de indivíduos para um suposto “debate”. Escolhido o tema do “debate” e, com o intuito de identificar quem entre os participantes está posicionado fora da bolha ideológica hegemônica, a proposta pedagógica do “debate” serve apenas como simulação controlada para fazer o inimigo sair da toca e expor seu flanco.
Iniciada a experiência do “debate”, usado como ferramenta de engenharia social para pescar informações, o mediador organiza os participantes em dois grupos, sugerindo, em seguida, que tomem partido a favor ou contra um tema escolhido. Sugestionados a participar desse “debate”, os envolvidos não se dão conta de que estão passando por um experimento o qual culminará em grande prejuízo para os que se posicionarem contrários à ideologia dominante.
Tive a oportunidade de participar dessa experiência em uma aula de Psicologia Escolar em que a mediadora, aplicando essa técnica – que passou despercebida por parte dos demais participantes -, organizou um debate para “pescar” opiniões. O que ela faria com as informações dessa “pescaria”, ou seja, contra quem ou em favor de quem, elas seriam usadas, nada pude confirmar. Mas, diante de uma plateia desatenta a técnica é devastadoramente produtiva para quem aplica. O intuito desse experimento tem um único e sutil objetivo: identificar quem, entre os debatedores, representa uma ameaça para o grupo ideológico dominante.
A técnica de “pescar” (phishing) uma vítima desatenta tem sido usada também por Hackers para enganar usuários da rede fazendo-os revelar informações sensíveis ou confidenciais. Uma vez identificados os “inimigos” e “pescando” cada uma das suas ideias contra hegemônicas, a segunda etapa da experiência consiste em expor cada uma das ideias ao ridículo. A partir desse ponto, com o apoio sutil do mediador, o grupo que assumiu a posição da ideia dominante, gradualmente, empurra para o precipício as ideias que julgarem antiquadas. Estando os “inimigos” devidamente identificados e expostos ao ridículo, tem-se início a terceira etapa da experiência que é a estigmatização. Uma vez estigmatizado por suas ideias tidas agora como antiquadas, na quarta e última etapa do experimento, os indivíduos estigmatizados sentem-se tentados a mudar seu comportamento para evitar a execração e a perseguição pública da maioria.
Assim, essa quarta etapa do experimento revela-se como sendo a mais maléfica entre as demais, posto que irá garantir a total supressão do pensamento contra-hegemônico do “inimigo”. Trata-se de reduzi-lo a pó usando meios de difamação e destruição de sua reputação. É nesse ponto que se processa uma mudança de comportamento do individuo estigmatizado. Gradualmente, para evitar ser estigmatizado, o indivíduo ou grupo de indivíduos submetidos à experiência acaba caindo em uma “Espiral do Silêncio”.
Sobre o fenômeno do “Espiral do Silêncio” – aquele em que o indivíduo impõe a si mesmo, por medo da execração pública -, basta ler o livro de Elisabeth Noelle Neuman, “Espiral do Silêncio: opinião pública e nosso tecido social”. Um dos pontos nodais que sustentam esse livro da pesquisadora Elisabeth Neumann acerca da teoria da ciência política e da comunicação é aquele o qual diz que todos os indivíduos tendem a omitir sua opinião quando ela está em desconformidade com as posições dominantes:
“Parece que o medo do isolamento é a força ativadora da espiral do silêncio. Seguir a multidão constitui um estado de relativa felicidade. Mas se esta opção não é possível, quando não se quer conhecer compartilhar em público uma convicção aceita aparentemente de modo universal, ao menos é possível permanecer em silêncio, uma segunda opção para continuar sendo tolerado pelos demais” (2017, pág.23).
Esse tipo de comportamento de relativa felicidade que nos leva a silenciar para seguir a multidão ocorre quando, como nos diz Neumann, estamos tomados pelo medo do isolamento e da estigmatização. O indivíduo-alvo decide se eximir para evitar a crítica da opinião dominante. Uma vez atingindo o quarto estágio, tomado pelo medo de ser massacrado pela opinião majoritariamente estabelecida, o “debate experimento” destrói a vontade de reação daquele identificado como “inimigo”. Para não mais se expor à execração pública da maioria dominante, o indivíduo exposto é forçado a assumir uma postura cada vez mais reclusa para proteger-se de ataques.
Concluída a experiência, mesmo recluso, o indivíduo jamais estará a salvo. Não há mais nada que ele, o “inimigo estigmatizado”, possa fazer para escapar da perseguição dos correligionários da opinião dominante. Massacrado pela maioria, ele terá que viver sob o olhar penetrante de seus algozes da opinião pública. Elisabeth Neumann afirma que:
“Nos períodos de mudanças sociais drásticas, prestar atenção em como se deve comportar-se para não ser isolado se torna mais necessário. Quando vigora a ordem e a estabilidade, a maioria das pessoas não contesta a opinião pública se ela não parece violar os valores vigentes; sequer alguém cairá em um redemoinho de silêncio. O que fazer, dizer ou deixar de dizer é tão óbvio que a pressão do consentimento atua como uma pressão atmosférica sob nossos pés: não nos damos conta dela. Mas em épocas pré-revolucionárias e revolucionárias, a sociedade experimenta sempre novas sensações” (2017, pág.117-118).
A experiência revolucionária de desmobilização aqui descrita não é nova, foi largamente empregada pelos nazistas contra os judeus. Sob o regime totalitário de Hitler, todo judeu recebia um distintivo, uma Estrela de Davi, que servia justamente para distinguir, estigmatizar e segregar aqueles que não estavam em conformidade com o regime sanguinário de Hitler.
O que essa experiência de engenharia social nos mostra é que, sob a pressão da maioria, mancomunada com um mediador desonesto e manipulador, são raros aqueles indivíduos que continuam a manter a resistência. Indivíduos reféns do próprio medo acabam assumindo posturas que jamais assumiriam se não estivessem sob o controle autoritário.
Nada do que acontece na descrição dessa experiência nos remete ao autêntico diálogo socrático em que, no lugar da manipulação do comportamento por meio de sofismas, aquilo a que se visava era a busca desinteressada da verdade. Para evitar reações inesperadas dos participantes dessa experiência devastadora, os manipuladores precisam organizar tudo com muita precisão; os participantes, sem se darem conta de que estão envolvidos em uma experiência maléfica de engenharia social, expõem inocentemente ideias que manteriam em sigilo, caso se descobrissem, de antemão, a arquitetura dessa armação.
A ideia de que “o aluno precisa exercer o pensamento crítico” preposta por mediadores é chamativa e estimulante. São tidas como “metodologias ativas”. Quem não gosta de um bom debate? Por toda parte, os alunos são instados a serem protagonistas e exporem suas ideias, acreditando que serão realmente acolhidos por sua liberdade de expressão. O que de fato acontece é que, inadvertidamente, se suas ideias não estiverem de acordo com aquela que tida como dominante não demorará muito até que finalmente ele perceba que o melhor talvez fosse ter ficado em silêncio. Uma vez estimulados ao protagonismo e expondo suas ideias não há como esconder-se da opinião dominante. É nesse ponto que reside o perigo. Mesmo os mais arredios vão desejar se manifestar em um debate, mal sabem que o exercício desse ato de exposição, no atual quadro de nossas instituições educacionais, lhe cobrará um alto preço.
Em um debate aparentemente despretencioso, orquestrado por um mediador desonesto e manipulador – em qualquer uma das etapas do experimento descrito -, os envolvidos jamais estarão realmente seguros e livres para o debate crítico quando há uma ideologia dominante em todos os espaços de expressão. Seja nas escolas ou nas universidades participar de um debate, sem se expor às hienas do pensamento dominante, tornou-se praticamente impossível.
Tudo não passa de uma pantomímica de controle e inoculação ideológica. Por trás da aparência inofensiva e lúdica de um simples debate escolar ou universitário, certifique-se sobre se o mediador não está colocando uma Estrela de Davi em sua testa. Proteja seu flanco espiritual e mantenha a guarda. Calar uma voz dissonante ao pensamento hegemônico tornou-se uma das mais sutis estratégias de controle social do pensamento.
Muito bom, professor! Passei por situações parecidas. Quando estava na escola, havia um professor que toda semana trazia um tema “surpresa” para a sala de aula para ser debatido. O que ocorria, no entanto, é que ele perguntava quem estava de qual “lado”, e então escorraçava aqueles que discordavam dele. Como o tema era surpresa para os alunos (mas previamente estudado pelo professor), as vozes discordantes ficavam desarmadas e saíam humilhadas, fazendo com que o ponto de vista dele parecesse correto para o resto da turma, que costumava passar a defender a posição do professor.
Parabéns pelo texto professor Everson.
A leitura me lembrou bastante o David Horowitz e o seu livro A Arte da Guerra Política. Em um debate político e desonesto a rotulação é a regra, e não a exceção. Isso acaba podando o debate sincero e atingindo o bem-intencionado, porém, desavisado debatedor. Distorções, ridicularizações que foram apresentadas no texto acabam sendo comuns.
Parabéns pela coragem de expor o modus operandi das pessoas desonestas que merecem ser desmascaradas.
Eu me identifiquei com diversas situações em que me senti constrangido a me posicionar para ser execrado.
Os pressupostos positivistas e cientificistas, legítimos mutatis mutandi em seus próprios domínios restritos de atuação, são empurrados sup-repticiamente para engolfar toda a realidade humana, o que me faz recordar do famigerado mito de Procusto: quem não se encaixar no enquadramento estrutural pré-concebido, terá seus membros amputados. Assim, amputa-se o homem para extirpá-lo de aspectos indesejados pela cosmovisão materialista hegemônica.
Nesse sentido, estamos entre Cila e Caríbdis: se detratamos o caráter espúrio da expansão hegemônica atentatória da integridade humana, somos execrados e perseguidos; se nos calamos, a pneumopatologia — termo cunhado por Schelling e largamente utilizado por Eric Voegelin — subjacente à idofobia docetológica das desenvoluções marxistas se agiganta e usurpa o lugar da realidade metaléptica tensional que deve ser resolvida mediante a orientação para o fundamento divino do ser.
Excelente artigo, nobilíssimo amigo e professor Marcus! Cumpre a função de um alerta, habilmente articulado na exortação de manutenção da guarda espiritual contida no último parágrafo. Renovei meus conceitos e galguei um novo patamar de vigilância.
Yuri Santos Fagundes
Parabéns Prof. Dr. Marcus Éverson, seu artigo discute uma bela experiência de engenharia social para identificar e suprimir ideias contra-hegemônicas via debates simulados, e os elementos são induzidos a revelar suas opiniões, sendo aquelas que se opõem à ideologia dominante ridicularizadas e estigmatizadas, uma realidade que nos leva a criar uma pressão social para que os indivíduos mudem seu comportamento e evitem a perseguição como resultado da supressão do pensamento divergente e levando à essa “Espiral do Silêncio”. Incrível como vivemos isso, até nas instituições mais abertas à liberdade de pensar! Forte abraço TFA.
Artigo dos mais brilhantes, é estímulo epstêmico essencial para todos os que mantêm interesse permanente sobre o tema.
O professor Marcus Everson sabe, como poucos, apresentar muito bem seus argumentos, patentes frutos de uma análise cuidadosa dos elementos e fatos aos quais põe-se a responder com propriedade e maestria.
Léo Mittaraquis
Leitura libertadora. A gente consegue sentir a liberdade de expressão sem pretexto para disseminar discursos que possam causar danos a outras pessoas ou grupos. Mas sabiamente um alerta, em que consegue ir de encontro com a omissão de opinião. Cirurgicamente o artigo convida a reflexão e liberação de muitos fantasmas opressores. A superação do silêncio e a possibilidade de expressar diferentes pontos de vista são fundamentais para uma sociedade democrática e plural.