O uso da cloroquina pode estar associado ao aumento no número de mortes de pacientes que estão se cuidando em casa, vítimas da covid-19. O alerta é do médico infectologista e professor de Medicina da Universidade Tiradentes (Unit), Matheus Todt, ao explicar que tal medicamento tem uma série de contraindicações que pode levar o paciente a óbito. Ele disse que médicos em Sergipe estão prescrevendo a cloroquina e hidroxicloroquina para pacientes com covid-19, mesmo que ainda não haja nenhuma comprovação científica da eficiência destes medicamentos. Um estudo publicado pela prestigiada revista científica The Lancet, na sexta-feira, 22, afirma que o uso da cloroquina ou hidroxicloroquina sozinhos ou combinados com marcrolídeos (grupo de antibióticos dentre os quais se destaca a azitromicina) não tem benefícios comprovados no tratamento de pacientes com covid-19. Todt frisou que quando seus colegas buscam orientação sobre usar ou não o medicamento, ele sempre recomenda que não deve usá-lo. O infectologista lamentou que o presidente da República, Jair Bolsonaro seja um defensor deste medicamento. “O presidente é um sujeito que tem um respaldo e uma autoridade na fala que ele mesmo não tem noção. Ele está fazendo um tipo de declaração que é perigosa”, destacou. Na sexta-feira à noite, Matheus Todt concedeu a seguinte entrevista ao Só Sergipe. Confira.
SÓ SERGIPE – Qual a diferença entre cloroquina e hidroxicoloroquina?
MATHEUS TODT – Estes grupos farmacológicos são antimaláricos, derivados da quinino. Estas substâncias, os antimaláricos, primeiro foram lançados a cloroquina, que tem mais de 60 anos, e depois a hidroxicoloroquina, que é sintético e menos tóxico, mais confortável que a cloroquina. Na verdade, a grande diferença de um para o outro, é que a hidroxicoloroquina é um remédio mais moderno, mas a função é exatamente a mesma da cloroquina.
SS – Os estudos afirmam que o uso da cloroquina aumenta o risco de morte por problemas cardíacos.
MT – Esse é um efeito colateral conhecido. A cloroquina é um medicamento de primeira escolha para tratamento de malária e para outras doenças reumatológicas como lúpus. Mas mesmo nessas condições, há esse efeito colateral. O que está na The Lancet é que há esse risco de morte para quem tem um problema cardiovascular prévio. Há esse risco mesmo.
SS – O estudo da The Lancet diz, também, que a cloroquina sozinha ou combinada com outros medicamentos não tem nenhum benefício comprovado. Gostaria que o senhor falasse sobre isso.
MT – A cloroquina, entre outros medicamentos, é pouco saudável no momento em que nós temos uma doença que seja pouco conhecida. Não devemos ignorar os passos normais que indicam que uma droga deve ser utilizada ou não para determinada doença. Direcioná-las para outra doença dependeria de testes controlados, com esses testes sendo replicados para termos uma evidência concreta e, segundo a Anvisa e o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) , a liberação de medicamento para redirecionamento de uso deve ser somente com uma evidência sólida. Como não tem medicamento para a covid-19 e as pessoas começaram a ficar desesperadas, elas começaram a fazer utilização baseado em dados pouco robustos. Foi visto, inicialmente, que a hidroxicoloroquina in vitro (em laboratório) ela era capaz de modificar o meio celular e isso reduziria a proliferação do vírus. Num exemplo bem grosseiro, sabemos que o álcool mata o vírus, mas se eu injetar álcool no humano vai matá-lo. Não temos como fazer a transferência de um cenário que acontece in vitro para o paciente. Baseado numa evidência fraca, que hoje em dia é inaceitável, começaram a usar. Ah, mas dizem que o paciente está melhorando. É difícil aferir em experiências individuais. Se eu fizer a utilização de forma não controlada, se eu prescrever hidroxicoloroquina para pacientes mais jovens, mais saudáveis, eles vão melhorar. Mas não será por causa da hidroxicoloroquina, mas porque eles iam melhorar mesmo. O vírus, apesar de ter uma mortalidade, 85% dos casos são benignos. Então, se começarmos a dar esses remédios para essas pessoas elas vão ficar bem, como ficariam mesmo sem o remédio. Não há uma evidência para utilizar. Nesse caso, infelizmente não vale aquela velha máxima que ‘se não melhorar, piorar não vai’. Vai piorar, porque tem efeitos colaterais.
SS – O senhor tem informação sobre a prescrição de cloroquina?
MT – Muitos médicos têm prescrito o remédio, mesmo sem ter evidência nenhuma que funciona. Estudos bem feitos estão mostrando o que a gente já sabia; que não funciona direito. E ainda assim, colocando a população em risco, por causa das complicações cardiovasculares que podem levar ao óbito. O desespero diante de uma situação nova, diante de uma situação que é um marco na saúde pública, as pessoas começaram a usar medicamentos que não deveriam. A hidroxicloroquina é só um deles, mas provavelmente os outros também vão cair por terra, como o Anita, que é um remédio para vermes. Nenhum desses remédios teve um teste em vivo que comprovasse a sua efetividade. E não deveriam ser, de forma alguma, utilizados. Quando se usa um medicamento desses, o colega estará à mercê de um processo ético, pois está fazendo experimentação sem a pessoa saber. Expondo a pessoa a uma droga que não sabe qual o efeito e só deveria acontecer em ambiente de estudo clínico com o paciente devidamente informado. Na Espanha, eles permitem que usem uma droga nova a partir do momento que o paciente assina um documento. No Brasil e outros países do mundo isso não acontece. Na verdade, não é legal.
SS – Quando o senhor disse que existem médicos prescrevendo a cloroquina, esse foi um comentário genérico ou essa prescrição ocorre aqui em Sergipe, por exemplo?
MT – Sim, existem prescrições de cloroquina aqui no Estado porque eu já vi; no Ceará e Alagoas, inclusive uma rede grande, a Unimed, colocou no protocolo deles que todo paciente que chegar lá com suspeita de covid-19, vai tomar a cloroquina e outros. Eles protocolaram isso e é bem complicado. Até pouco tempo atrás, o protocolo dos Hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês contemplavam a hidroxicoloroquina e isso é errado. Em nenhum momento houve uma evidência de verdade, mas foi adotado por grandes redes, grandes profissionais; porém sempre foi errado. Estavam fazendo algo sem saber, porque não tinham outra coisa para utilizar. E não é assim que age a medicina moderna, nos últimos 30 a 50 anos. Não consideramos que isso deva ser feito. Mas há a hidroxicoloroquina que tem sido prescrita no Estado e, por incrível que pareça, mesmo com esse artigo do The Lancet, as pessoas vão continuar usando por causa das crenças individuais. Muitas vezes, o médico não é preparado a não fazer nada. Porque é complicado o paciente chegar ansioso e não se tem nada para fazer, a não ser observar e ver a evolução e ir apagando os incêndios aos poucos. Diante da ansiedade dos colegas, associada à pouca informação, eles prescrevem em todo o Brasil. Nos locais mais evoluídos ao menos evoluído, infelizmente, são usados.
SS – O senhor acha que o fato de o presidente Jair Bolsonaro fazer a apologia da administração da hidroxicloroquina e cloroquina, sem conhecimento e evidência, pode levar as pessoas a uma busca desenfreada pelo medicamento? Muita gente pode segui-lo? MT – O presidente é um sujeito que tem um respaldo e uma autoridade na fala que ele mesmo não tem noção. Ele está fazendo um tipo de declaração que é perigosa. Em Sergipe não tem muito paciente com malária, mas o pessoal da reumatologia que usa a hidroxicloroquina sente dificuldade em encontrá-lo para as indicações corretas. Se vende hidroxicloroquina no Mercado Livre. As pessoas estão utilizando como uma tábua de salvação e muitas vezes é comprado com prescrição médica, ou seja, tem o erro maior ainda. A imperícia e imprudência são infrações médicas. Além de expor o paciente a um risco desnecessário, pois ele não vai melhorar. Já existe um booom, baseado em experiências individuais e com certeza com uma fala muito perigosa da autoridade. Por mais que ele não tenha conhecimento na área de saúde, ele tem poder de persuasão. Alguns colegas que me perguntam, eu digo não use. A pessoa tem você como uma referência e nesse momento não tem nada de comprovado cientificamente de que é bom. Essa orientação do presidente de que pode ser utilizado vai aumentar a procura e expor as pessoas a problemas cardiovasculares. Hoje existe paciente com lúpus que precisa da hidroxicloroquina e está com dificuldade de encontrá-lo.
SS –A hidroxicloroquina é contraindicada para paciente com retinopatia, dentre outras enfermidades. Quando chega um paciente com covid-19 e ele tem retinopatia preexistente, como o senhor vai saber caso ele esteja desacordado?
MT –No caso de um paciente com malária vamos ter que investigar. Ele irá passar por uma cardiologista, um oftalmologista. Existem pacientes que precisam da hidroxicloroquina, mas não vão poder usar por terem problemas cardíacos e usarão outro medicamento. Mesmo nas condições normais, tenho todo um ritual para prescrever. Agora sem testes, a possibilidade de dar errado é muito grande. Veja quantos pequenos crimes estão sendo cometidos com esse uso e estamos vendo que possibilidade de dar errado é muito superior a de dar certo. É muito grave.
SS – Existe a possibilidade de pessoas morrerem porque estão usando esse medicamento do que propriamente por causa da covid-19?
MT – O uso da cloroquina pode estar associado ao aumento do número de mortes, mesmo com pessoas que estão se tratando em casa e fazendo o uso. Elas estão morrendo por eventos cardiovasculares associados à cloroquina. Não existe um estudo, mas há informações da literatura especializada dizendo que há uma suspeita de que as pessoas estejam morrendo por complicações cardiovasculares, não pela covid-19, mas pelo medicamento cloroquina.
SS- Ou seja, o paciente poderia ser cuidado sem esse medicamento e sobreviver?
MT- Sim, podia inclusive não morrer de covid-19. Mas morreu ao tomar um remédio que não o ajudou a melhor e só complicou a situação. Realmente, é uma seara muito complicada e grave. Se alguém da família de uma vítima da cloroquina tiver um conhecimento ou orientação jurídica, o colega que prescreveu estará em maus lençóis. E será questionado por que usou, já que não há comprovação científica.
SS – Eu li uma entrevista do ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, em que ele disse que em determinado momento foi chamado pelo presidente que queria que ele colocasse na bula que esses dois medicamentos são permitidos para o uso da covid-19. E ele caiu fora…
MT – Isso é criminoso. É igual a colocar veneno em bula de remédio. É um crime. Não posso pegar a glicerina, que é bom para quem tem prisão de ventre, e prescrever para a veia do paciente. Vou matar um bocado de gente. Inclusive, a bula segue estritamente conhecimentos notórios. A bula traz todas as complicações possíveis de dar errado. A pessoa pode morrer engasgada com uma ervilha. No caso do medicamento, ele é ótimo para tratar lúpus, mas pode acarretar problemas renais, oftalmológicos. Ele tem que estar ciente.
SS – Enfim, não há nada que comprove a eficácia da cloroquina.
MT- Por mais crítica que seja a situação, temos que respeitar o método científico. Não podemos queimar etapas e a história já mostrou isso com talidomida. Nesse momento não há, falando como professor de faculdade, nenhum medicamento com comprovação científica e seguro suficiente para usar no tratamento da covid-19. O grande tratamento é se prevenir e nos casos mais graves, internar o paciente e dar suporte, garantindo que ele respire bem. Temos que lembrar sempre que para liberar medicamento existe todo um ritual a ser cumprido e pular etapas é extremamente arriscado.
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