sábado, 16/11/2024
Aventura no Oceangate que acabou em morte Foto: Oceangate

Vaidade, sandice, idiotice & morte

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Por Luiz Thadeu Nunes

Todo mundo tem algum amigo gaiato, eu tenho alguns. Um deles, assim que apareceu na mídia a primeira notícia do desaparecimento de um submersível, me ligou querendo saber se eu não estava a bordo. Como ele sabe que gosto de viajar, e por ser meu amigo, vive tirando sarro. Ainda não sabia do que se tratava. Como as notícias sobre o desaparecimento do submersível inundavam as telas de TVs, computadores e smartphones, logo me inteirei do assunto.

As notícias eram de que o submarino Titan, da OceanGate – que levava cinco tripulantes para uma visita aos destroços do navio Titanic, a mais de 3.800 metros de profundidade – estava desaparecido. Acompanhei o drama da falta de oxigênio e o desfecho trágico; de alguma forma, esperado.

Estavam na embarcação Stockton Rush: CEO da empresa de turismo, um especialista no naufrágio do Titanic e três turistas bilionários, que desembolsaram por volta de R$ 1,2 milhões pelo passeio.

Muitos questionaram a sensatez dos turistas, que toparam pagar uma fortuna para passar horas dentro de um veículo que se parece com uma air fryer da Mondial, pilotada por um joystick comprado em qualquer esquina.

O submersível não havia sido aprovado por nenhum órgão regulador. Os passageiros assinaram um termo dizendo estar cientes dos riscos.

Uma discussão sobre a sandice dos tripulantes de imediato tomou conta do noticiário e das redes sociais. O drama do submersível Titan tem sido objeto, como de resto tudo nesta era de comunicação e julgamentos ideológicos imediatos, de intenso debate sobre os méritos do interesse midiático no caso.

Predomina o viés moralista, segundo o qual é pecado despender tanta energia, para não falar no dinheiro, com ultrarricos dispostos a serem implodidos pela pressão brutal do fundo mar por uma vaidade. Que não há o mesmo fascínio mórbido pelos miseráveis que morrem atrás de uma vida melhor, fugindo de seus países no Mediterrâneo.

Infelizmente, as tragédias com barcos de imigrantes são tão comuns que se normalizaram, de forma que não sensibilizam mais ninguém. O caso do Titan agrega diversos fatores atrativos, alguns mais bem explicados pela psicologia. Mas ele tem algo que um naufrágio, digamos, no Caribe, não possui: o Titanic.

O transatlântico afundado na noite de 12 de abril de 1912, em sua viagem inaugural, povoa o imaginário mundial praticamente desde o momento em que os telégrafos passaram a comunicar a tragédia, no equivalente às redes sociais ou a serviços de notícias online do começo do século 20.

Havia um componente clássico, a luta do homem em desafiar a natureza com seu engenho técnico. Como Prometeu ou Ícaro, o navio acabou punido em sua soberba metafórica. Afinal, ele era insubmersível, como aprendemos nos oito filmes de longa-metragem sobre o acidente com o iceberg feitos desde então.

Outros dizem ser a vingança dos mortos do Titanic. Desta vez, foram os ricos que afundaram, enquanto os pobres estão confortáveis em terra firme. Li uma frase irônica, mas verdadeira. “Prefiro ser pobre e estar no fundo do poço, a ser milionário e afundar no oceano”.

A experiência faz parte da categoria “necroturismo”, ou “turismo mórbido”, cuja atração é ver de perto catástrofes com milhares de mortos, como passear por Chernobyl, visitar ossadas em Ruanda e tirar selfie em Auschwitz.

O passeio até o Titanic tem o adicional da exclusividade. Por ser extremamente caro, só poucos podem ir. Aí que entra a habilidade do ser humano de gastar dinheiro com qualquer coisa, só porque ele pode pagar. Nem que seja para arriscar a vida, por horas, prensado dentro de um foguete, ou descendo às profundezas do mar só para ver a proa de um navio coberta de alga.

A empresa OceanGate realiza há uma década expedições com fins científicos ou turísticos no oceano para a exploração de locais exóticos. A novidade da empresa era a viagem de submarino para visitar os destroços do Titanic, que custou US$ 250 mil dólares por pessoa. Mas o submarino que faria a primeira tentativa do percurso implodiu matando todos os passageiros.

Respondendo ao amigo gaiato: jamais me arriscaria em uma air fryer, ainda mais sem segurança alguma, para descer nas profundezas do oceano.

Com US$ 250 mil em mãos, tem muita coisa boa e útil para fazer. Inclusive conhecer todo o mundo, viajando em classe executiva, hospedando-se em hotéis estrelados, comendo e bebendo do bom e do melhor. Com pouco dinheiro, visitei 151 países, em todos os continentes do mundo, gastando pouco. Imagina com esse dinheiro todo!

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Sobre Luiz Thadeu Nunes

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Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o homem mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.  Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências; ATHEAR, Academia Atheniense de Letras; e da AVL, Academia Vianense de Letras, membro da ABRASCI. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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