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Por Léo Mittaraquis (*)

 

Bem conhecida é a tela “A Taça de Vinho” produzida por um dos grandes gênios da pintura holandesa, Johannes Vermeer (1632-1675). Este viveu pouco, o que me faz recordar (e quando o esqueci?) o hipocrático e seneceano adágio “Ars Longa, Vita Brevis”.

Vermeer foi batizado em 31 de outubro de 1632, na assim denominada Nova Igreja Reformada. Cresceu como protestante. Seu nome cristão ‘Johannes’ era preferido ao ser considerado muito prosaico “Jan” pelos protestantes de classe alta.

Agora, o por demais curioso: sabe-se, até hoje, mais sobre uma múmia egípcia do que sobre a vida de Vermeer. E isso sempre me chamou a atenção ao ponto do quase aborrecimento. Por causa dos hiatos na sua linha do tempo, mais de uma vez me vi em busca de informações. E em louvor de quê? Ora, sou apaixonado pela obra deste artista.

Imagine você, leitor, pouco ou nada se sabe sobre a infância de Vermeer. O que se especula é que o artista deve ter começado seu aprendizado em algum momento  da década de 1640. Ou seja, quando era adolescente. Bem, não diz muito. Nonada!

Um fato podemos, graças aos Céus, aceitar: ele existiu, ele viveu.

E prumodequê trago o pintor à baila? “Negócio seguinte”, como diria o já ido jornalista e escritor contracultural, abandonado pelo Brasil, Luiz Carlos Maciel: não obstante amar todas as suas telas, ou, pelo menos, as que conheço, uma, em especial, me causou um estranho sentimento de saudade, de identificação difícil de explicar. E qual seria a dita cuja?

Justamente a já citada, en passant, avançando duas casas, logo no início desta quase missiva: “A Taça de Vinho”.

Em uníssono, concomitantemente, duas referências de peso e de leveza na minha percepção do mundo: o vinho e a bela arte. Peso e leveza para ambos, bem entendido, e não respectivamente.

Ao que parece, a julgar pela informação que se repete em várias publicações, o artista holandês Johannes Vermeer pintou “A Taça de Vinho” em 1659. Estaria o pintor por volta dos vinte e sete anos.

E o que mostra a tela? Em síntese, duas pessoas, uma sentada e uma em pé. A mulher, sentada, a beber. O estilo da pintura segue, como se sabe, a Escola de Delft, esta que foi concebida no final da década de 1650 pelo pintor Pieter de Hooch.

Peço que o generoso leitor observe bem: ao invés de posicionadas, ou limitadas, em primeiro ou segundo plano, as figuras principais estão ao centro da cena.

Sim, os dois ao centro. Porém a figura feminina está ao mais à frente. Mesmo que exale certa aura de submissão. Em se tratando de Vermeer, autor de, pelo menos, quarenta telas em que a mulher é, de alguma forma, o tema, isso significa muito.

O espaço, talvez uma sala, está a ser bem revelado pela luminosidade que se derrama pela janela. A mulher trajando cores (vermelho claro, quase um coral, e branco) é eternizada no aparentemente banal ato de beber vinho. Este que foi oferecido pelo cavalheiro que se mantém apoiado na mesa, enquanto segura o recipiente despreocupadamente. O uso de cores quase flutuantes, por causa da suavidade; a luz e a sombra criam uma atmosfera em que a vida se apresenta como que suspensa, parada, no tempo.

Há quem afirme ser esta obra um exercício de transição. Eu digo: “é daí?”. Pouco vejo de dramático nisso.

O que me importa é que o vinho também é um personagem. Também se porta como modelo. Está “vestido” com cristal, eis a taça.

A taça é levada de forma tranquila, contemplativa, à boca, o que empresta à cena algo de dissimulada sensualidade. Baco está presente, mas, certamente, convidou também a Eros. Há algum mistério delicioso…

Atentemos para o rosto da mulher: sugere que está um tantinho oculto pela taça quase vazia. E a sua roupa? Ela se encontra elegantemente vestida,  para agradar ao seu convidado.

Voltando à tela e à taça… como ele criou um senso de intimidade tão inigualável? Cabe esclarecer que esta questão não está a ser posta por mim como autor da mesma. É uma inquietação frequente a acessar os pesquisadores e estudiosos das Belas-Artes.

Retornemos ao conceito de dramatização. O que estão a fazer, de fato, os personagens na tela? Não o sabemos com plena certeza.

Ao lado de outros críticos, se devo especular, diria que há uma possibilidade de que a imagem retrate um namoro, embora os papéis desempenhados pelas duas pessoas envolvidas não sejam imediatamente aparentes. É quase como se ele estivesse tentando deixar a mulher embriagada, sem pressa, já que, pelo que se interpreta, assim que ela terminar sua taça de vinho, ele lhe servirá outra.

Em sentido geral, quanto ao autor e suas produções, eu diria que as obras de Vermeer deram o tom para representações da alta burguesia da época, em um nível social refinado. Este tipo de cenário exigia uma representação pictórica mais fina e suave.

A tela, “A Taça de Vinho”, representa muito bem esta perspectiva.

Bem, como diriam no Looney Tunes Cartoon: “That’s all folks”

Santé!

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Leo Mittaraquis

Léo Mittaraquis é graduado em Filosofia, crítico literário, mestre em Educação. Mantém o Projeto "Se Comes, Tu Bebes". Instagram: @leo.mittaraquis

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