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Vinte lições para o presente

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Por Luciano Correia (*)

 

Nos cinco anos em que pelejei com o mestrado e o doutorado, no Rio Grande do Sul, não li uma só linha que não fosse dos textos voltados para as demandas acadêmicas. Em compensação, esse período, que foi luminoso sob vários aspectos, me legou uma abertura para os livros, a leitura densa e intensa e a capacidade de dialogar com meus autores. Findas as tarefas, voltei para terrinha, para outros trabalhos que não só o acadêmico e, principalmente, para as leituras escolhidas sob um livre arbítrio. Vai daí que tenho lido muito, e pelas minhas mãos têm passado clássicos da literatura, outros nomes mais modernos nacionais e internacionais, além das publicações sobre os descaminhos desse nosso mundo virado.

Foi assim que, numa das leituras recentes, o autor da hora falou de Sobre a Tirania, de Timothy Snyder, um professor de história de Yale, nos Estados Unidos, sucesso editorial no mundo inteiro, certamente porque sabe dosar bem as ferramentas acadêmicas com a capacidade de falar para todos os públicos, com rigor e estilo. Snyder é um desses autores atuais que começaram a explicar o mundo pós-Muro de Berlim, após o marasmo em que mergulharam os teóricos e movimentos de esquerda desde que o chamado socialismo real se desmanchou no ar. É certo que demorou muito para essa nova safra de intelectuais começar a botar as manguinhas de fora, até porque a ressaca pós-comunista paralisou também o mundo das ideias, ao ponto de terem imaginado o próprio fim da História.

Vinte lições para o presente

“Vinte lições…” não é dessas leituras metidas a impressionar com voz empostada. Pelo contrário, é tão despretensioso que se apresenta simples até na forma, um pequeno livro de bolso, com curtas e diretas lições para uma nova ética nesse complicado século 21, a partir da experiência de um turbulento século 20. Mas é profundo nos diagnósticos e preciso nos conselhos para construir valores comuns e universais nesses tempos que correm. Saio um pouco do texto para considerações paralelas sobre um dos melhores filmes da minha vida, Sunshine, O Despertar de um Século, de István Szabó, um estupendo diretor húngaro que se baseia no drama da própria família para contar a saga de três gerações, desde a aurora ao crepúsculo do século passado, sofrendo os horrores dos três elementos que ele considera as grandes tragédias dos anos de 1900: o fascismo, o nazismo e o comunismo.

O filme é um comovente depoimento do sofrimento das vítimas desses três regimes, contado sob os pontos de vista de três gerações que assistem à ascensão e derrocada desses totalitarismos marcados pela barbárie. Nesse aspecto, o livro de Snyder também percorre o século 20 desde o colapso da democracia na Europa nas décadas de 1920 e 1940 até a vitória de Donald Trump e o ressurgimento da extrema direita no mundo inteiro. As lições são apresentadas sem pompa nem delongas, como a primeira, que diz simplesmente: “Não obedeça de antemão”, onde o autor lembra que em grande parte o poder do autoritarismo é concedido voluntariamente. Abusando também da simplicidade, resumiria esse autor que vos escreve: o silêncio e a inércia são os melhores aliados da tirania. Ou buscando nas antigas lições do bom jornalismo: duvidar, duvidar sempre.

São questões distintas, mas que convergem para a construção da democracia como um valor universal, feita de contradições, turbulenta em si, instável, mas firme, inquebrantável e perene. Lições como a defesa das instituições, os riscos do partido único, a coragem para assumir responsabilidades para com o mundo, a ética profissional, a rejeição aos grupos paramilitares, a defesa da língua e da verdade sem adjetivos, a preservação da vida privada e o diálogo com gente de outros países. Recomenda ainda o cuidado com as chamadas “palavras perigosas”, a defesa da pátria, mas sem os pieguismos contaminantes, a adoção da política corpo a corpo e do diálogo sobre generalidades, cultivando relações amistosas.

Trata-se, pois, de um livro breve e de linguagem direta, que se lê num fôlego, mas a cujas páginas devemos voltar sempre para nos certificar do andamento das coisas, uma espécie de check list individual frente às boas causas, por mais que as “boas causas” sejam um conceito aberto, capaz de abranger subjetividades para os vários lados. Nesses tempos de polaridades emburrecidas e consensos estéreis pautando a grande mídia, vale muito passar pelas breves considerações de Timothy Snyder.

 

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Luciano Correia

Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).

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