A tão desejada liberdade, repetidamente comentada nos últimos tempos na imprensa, nas mídias sociais, em casa, entre amigos nos bares e restaurantes e colegas no trabalho, aparentemente uma palavra de fácil tradução, vemos que, na prática, seu senso amplo leva-nos a interpretá-la muito mais de acordo com os interlocutores, o espaço no qual estes estão inseridos, o momento em que estão vivendo, como também dos seus conhecimentos acumulados (razão) e estado de espírito (emoção).
De uma maneira concisa, poder-se-ia sugerir que a liberdade seria a tradução de ser livre, de poder expressar-se de acordo com a própria consciência, sem quaisquer limites, tal qual uma águia alçando voo entre imensos precipícios. Isso seria bem oportuno se vivêssemos isolados, como eremitas e, mesmo assim, tal condição jamais seria plenamente favorável, visto que a própria natureza nos limita geográfica e fisicamente e, dessa forma, é inevitável lidarmos, geralmente a contra gosto, com diversos obstáculos corriqueiramente a nós impostos.
E justamente quando nos deparamos com esses desafios, é que o ser humano apresenta tremenda resistência em acatar e respeitar tais limites, quer colocados aleatoriamente pela natureza ou propositadamente pela sociedade, através das normas de conduta e das leis que regem países e instituições. Como falei logo no início, essa temática não é mesmo recente. Desde a criação do mundo, ainda no “paraíso”, Deus ordenara a Adão e Eva, célula mater da humanidade, que lhes era permitido fazer o que bem entendessem desde que não comessem o fruto proibido que os faria poderosos como deuses. O desfecho dessa primeira transgressão humana conhecida bem sabemos. Crescemos escutando de nossos pais e professores diversas histórias de guerras e conflitos que restringiram a liberdade dos povos derrotados, oprimindo-os tão somente pela soberba e vaidade daqueles que buscam incansável e primitivamente o poder absoluto, ilimitado e por que não dizer eterno.
Milhares de anos se passaram, o mundo mudou, as cidades se desenvolveram, a sociedade evoluiu, as tecnologias surgiram, o conhecimento tornou-se acessível e instantâneo, as leis foram adaptadas aos costumes e realidade temporais, entretanto, a ânsia de ir além e o perfil conquistador do homem, por vezes prejudicando aquele que por sua frente passa, ainda é extremamente perceptível. Lembro-me de ouvir, desde muito jovem, a célebre frase do filósofo inglês Herbert Spencer: “A liberdade (direito) de cada um termina onde começa a liberdade (direito) do outro”.
Imagine se fosse diferente? Se as leis não constituíssem um ordenamento mínimo para se viver em comunidade, na qual os alimentos são escassos e os espaços se limitam diante do crescimento demográfico? E se não houvesse qualquer parâmetro que estabelecesse a verdade diante dessa tempestade de notícias falsas (fake news) que vimos diariamente? Como saberíamos agir ou falar corretamente frente a tantas calúnias, mentiras e incertezas travestidas de verdade e de realidade? O caos estaria instalado, a discórdia implantada e a humanidade, infortunadamente, colocada em cheque.
De acordo com a psicanálise freudiana somos compostos do id, nossos desejos, instintos e vontades, contraposto pelo superego, os limites de regras e condutas adequadas à nossa realidade sócio-cultural, permitindo, assim, que o ego, nossa consciência, nos conduza a tomar decisões mais justas e perfeitas.
Para o filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz, ainda no século XVII, “o agir humano é livre a despeito do princípio de causalidade que rege os objetos do mundo material: a ação humana é contingente, espontânea e refletida. Ou seja, ela é tal que poderia ser de outra forma e, por isso, contingente. É espontânea porque sempre parte do sujeito agente que, mesmo determinado, é responsável por causar ou não uma nova série de eventos dentro da teia causal. É refletida porque o homem pode conhecer os motivos pelos quais age no mundo e, uma vez conhecendo-os, lidar com eles de maneira livre”.
Para o pensador argentino Carlos Bernardo González Pecotche já no século XX, sob outra ótica, afirmara: “é preciso vinculá-la (a liberdade) muito estreitamente ao dever e à responsabilidade individual, pois esses dois termos, de grande conteúdo moral, constituem a alavanca que move os atos humanos, preservando-os do excesso, sempre prejudicial à independência e à liberdade de quem nele incorre”. Nesse sentido, toda ação livre requer conhecimento e cálculo na sua execução e, sobretudo, responsabilidade no desfecho, sem transgredir a moral, os bons costumes e a lei.
Pecotche descrevera ainda: “a liberdade é como o espaço e que depende do ser humano. Que ela seja, assim como aquele, mais ampla ou mais estreita, vinculada ao controle dos próprios pensamentos e das atitudes. O conhecimento é o grande agente equilibrador das ações humanas e, em consequência, ao ampliar os domínios da consciência, é o que faz o ser mais livre”. Destarte, quanto maiores a compreensão da vida, conhecimento das normas e formação intelectual, maior será o dever de defendermos a tênue fronteira do permitido (legal e moral) e do permissivo (ilegal e imoral).
Pilar maçônico inabalável, a liberdade se atinge pelo equilíbrio tanto de direitos, como de deveres, sempre pautada na democracia, na crença no Criador, no diálogo, sem discussão, no respeito, sem subserviência, na tolerância, sem conivência, no direito do contraditório e ampla defesa, contribuindo, inevitavelmente, com a harmonia, paz e concórdia, a tríplice argamassa que une toda obra divina. Ser efetivamente livre jamais permitirá agressão moral ou física, mentira, discórdia e libertinagem, assim como no preceito bíblico de fazer ao próximo tudo aquilo que gostaríamos que fizessem conosco, sem qualquer constrangimento. Almejemos falar sem ofender, fazer sem agredir, conquistar sem destruir.
Como narrara João (Jo 8:32): “conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará”, somente com a sabedoria de reconhecer o amor sublime e a verdade plena, seremos efetivamente livres, respeitando as nossas diferenças, quando então alcançaremos as utópicas igualdade e fraternidade, talvez como o Grande Arquiteto do Universo, nosso Deus, assim as quisera quando da criação do “paraíso” muito bem narrado no livro do Gênesis.
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(*) Hernan Augusto Centurion Sobral é médico cirurgião e coloproctologista. Mestre maçom da Loja Maçônica Clodomir Silva 1477, exercendo atualmente o cargo de orador.
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