Viver é coisa perigosa, manter-se vivo é coisa para os fortes, os resistentes e resilientes. Todos nós que teimamos em continuar vivos em tempos tóxicos, em tempos de pandemia, somos sobreviventes. Sobrevivemos a muitas tempestades e maus tempos para chegarmos até aqui.
Viver é punk, todos os dias temos que vencer situações novas, que a cada momento tiram tudo do lugar, obrigando-nos à adaptação a novas etapas da vida. Todos os que chegaram até aqui são “vencedores”. Venceram dores que a vida nos apresentou, e ninguém, absolutamente ninguém, está livre de passar por dores. A roda do infortúnio é democrática, atinge a todos.
Caro leitor, amiga leitora, é só olhar para o nosso entorno para ver quanto sofrimento, quanto tristeza, quantas perdas. Desde o início da pandemia, em fevereiro de 2020, quando tomamos conhecimento da existência de um vírus – invisível, traiçoeiro e altamente letal -, tivemos que aprender a sobreviver com o medo, a insegurança, a falta de perspectiva de uma luz no fim do túnel. Tivemos que nos adaptar aos famosos protocolos, na esperança de escaparmos desse flagelo.
Descobrimos nesta pandemia que a humanidade já estava enferma, com diferentes tipos de doenças, especialmente as doenças relativas à saúde mental. Quantas pessoas com depressão, síndrome do pânico, ansiedade, e com esse freio de arrumação causado pelo coronavírus evidenciou-se ainda mais? O Brasil é o campeão mundial em vendas de ansiolíticos.
O isolamento social, imposto pelas autoridades, na tentativa de conter a propagação do vírus, aumentou o número de feminicídio, essa praga da bestialidade, no Brasil. Nunca tantas mulheres foram mortas por seus companheiros. E pensar que 50% da população é composta por mulheres, e os outros 50% saíram de dentro delas. Tem alguma explicação minimamente racional para explicar tamanha tragédia? Nunca tantas crianças foram abusadas sexualmente por pessoas próximas, que em princípio eram para protegê-las. Alguém em sã consciência pode aceitar isso?
Se o mundo já estava desajustado, agora, beiramos o caos. O número de famintos é uma vergonha em um país que é tido e reconhecido como o celeiro do mundo, o maior produtor de grãos do planeta. Alguém acha isso normal? Triste saber que vinte milhões de pessoas amanhecem o dia sem saber o que vão comer. Fome mata, falta de perspectiva de futuro também mata.
Nossa classe política – ignóbil, predatória, nociva, venal, assassina – não vê nada anormal nisso. Enquanto uma parte significativa da população cata restos de comida no lixo – comem pelanca e carcaça de aves -, nossos nobres representantes, alheios a tudo isso, digladiam-se por cargos, poder e dinheiro, muito dinheiro. Tanto dinheiro que o senador da República, Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro escondido entre as nádegas, após passar três meses do cargo, retornou ao Senado em fevereiro. O dinheiro encontrado no orifício anal do senador, R$ 33 mil e cem reais, era fruto de roubo, desvio de recursos para compra de aparelhos que salvam vidas. Pobre e triste Brasil, enquanto uns têm tanto dinheiro, que enchem até o ânus, outros morrem de fome, não têm o que comer.
As cenas deploráveis de brasileiros e brasileiras morrendo por falta de ar nos hospitais públicos de diferentes partes do Brasil, e em especial em Manaus, são de uma brutalidade sem tamanho, e o pior, vai ficar por isso mesmo.
A CPI da Covid, que durante 180 dias, foi palco para desfilar vaidades, arrogância, em que vários de seus membros, a começar pelo presidente e o relator, que respondem a vários processos, fizeram com que comprometesse todo o trabalho. Se fosse um trabalho sério era para punir todos os 81 indiciados. Mas as querelas paroquiais, e os quiproquós políticos, colocaram a perder os trabalhos. Agora é jogo midiático.
O presidente da república, o mandatário-mor da nação, mostrou toda sua estatura moral diante da pandemia. Mostrou sua verdadeira pequinês diante dos problemas atuais. Jair Bolsonaro avivou um ser desumano, inclemente, cínico, piadista e desrespeitoso com os familiares dos brasileiros e brasileiras que perderam a vida para a Covid. “E daí?”, “Todo mundo tem que morrer mesmo”, “Não sou coveiro”, são algumas das boçalidades desse senhor, que nunca visitou um só hospital em solidariedade e respeito ao povo que ele dirige.
A pandemia mostrou que a Covid é uma doença do comportamento, pois as pessoas, inclusive as mais letradas, com curso superior, divulgam fake news, o que só atrapalha o combate à doença. Quantas pessoas deixaram de se vacinar, por ignorância ou por acreditarem nos maus profetas do apocalipse, que disseminam inverdades, causando o caos e aumentando o número de mortes?
Quis o destino que no Brasil o flagelo do coronavírus encontrasse na cadeira de presidente da república o negacionista Jair Messias Bolsonaro, duas calamidades, e já teve gente acreditando que “Deus é Brasileiro”. Se algum dia Deus foi brasileiro, ele se cansou disso tudo, de tanta ignomínia e ignorância, e bateu em retirada nos entregando à própria sorte. Só pode! Provamos ao mundo que somos um país de mequetrefes.
Enquanto escrevo, vejo que o mundo ultrapassou a cifra de cinco milhões de mortos pela Covid-19, e no Brasil foram 607 mil vidas ceifadas.
Somos 213 milhões de habitantes, segundo o IBGE, ou seja, 2,7% da população mundial, e tivemos 11% de mortos no mundo pelo flagelo que nos assola.
Neste Dia de Finados, dia de homenagem aos que partiram antes de nós, meu respeito e solidariedade a todos os pais e mães que perderam seus filhos, a todos os filhos e filhas que perderam seus pais e mães, a todos que perderam amigos, amigas, esposos, esposas, netos, netas, avós e avôs. Se tivesse um pouco mais de zelo, responsabilidade, amor ao próximo, profissionalismo, grande parte dessas mortes poderiam ter sido evitadas.
E, como diz um amigo, Manoel Paulo da Silva, homem de pouco estudo e muita sabedoria, “Seguimos escapando milagrosamente como Deus quer”.
Somos todos teimosos em continuar na caminhada terrena. Desejo a todos e a todas vida longa, com saúde, fé, paz, realizações, conquistas e proteção divina.
A vida é punk, todo dia com sua agonia. Um dia de cada vez, a vida não me cansa, pois ainda tenho uma vontade visceral de que muita coisa dê certo. Não sou pessimista, pois de mais longe eu vim; e nem otimista, pois todo otimista é um mal informado. “Minha matéria prima sejam os sonhos”, parafraseando Ariano Suassuna, digo “sou um realista esperançoso”. Tenho esperança de dias melhores.
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Luiz Thadeu Nunes e Silva
Eng. Agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes.